Os Efeitos do Café no Cérebro e Como Consumir Corretamente.

Autor: Léo Garcia - Neurocientista Comportamental



Resumo


O café é uma das bebidas mais consumidas globalmente, conhecido por suas propriedades estimulantes e impacto na produtividade.

Este artigo explora os efeitos neurofisiológicos da cafeína no cérebro, destacando os mecanismos subjacentes à sua ação, os potenciais efeitos adversos do consumo excessivo e orientações para um consumo adequado. São discutidos aspectos como a interação da cafeína com a adenosina, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), e neurotransmissores como GABA e glutamato.

Além disso, são apresentadas recomendações baseadas em evidências científicas para maximizar os benefícios do café enquanto minimiza seus riscos.

Introdução


O café é uma bebida amplamente consumida que desempenha um papel significativo na cultura e na vida diária de milhões de pessoas.

Seus efeitos estimulantes são atribuídos principalmente à cafeína, um composto psicoativo que influencia vários sistemas neuroquímicos. Apesar de seus benefícios, o consumo excessivo de café pode levar a efeitos adversos, afetando a saúde mental e física.

Mecanismos de Ação da Cafeína

A cafeína é um alcaloide pertencente ao grupo das metilxantinas, amplamente consumida em todo o mundo através de bebidas como café, chá e refrigerantes. Seu principal mecanismo de ação envolve a antagonização competitiva dos receptores de adenosina no sistema nervoso central (SNC), afetando diversas vias neurofisiológicas.

A adenosina é um nucleosídeo endógeno que atua como neuromodulador no SNC, acumulando-se ao longo do dia e promovendo efeitos inibitórios sobre a atividade neuronal. Ela exerce seus efeitos ligando-se aos receptores de adenosina, principalmente os subtipos A1 e A2A. A ativação desses receptores resulta em hiperpolarização neuronal, redução da liberação de neurotransmissores excitatórios e promoção da sonolência, desempenhando um papel crucial na regulação do ciclo sono-vigília.

A cafeína, devido à sua semelhança estrutural com a adenosina, atua como um antagonista competitivo desses receptores. Ao se ligar aos receptores A1 e A2A sem ativá-los, a cafeína impede a adenosina de exercer seus efeitos inibitórios. Isso resulta em vários efeitos neurofisiológicos:

Figura 1: Receptores antagônicos 







  • Aumento da liberação de neurotransmissores: A inibição dos receptores de adenosina leva ao aumento da liberação de neurotransmissores como dopamina, noradrenalina e glutamato, que estão associados à vigília, alerta e melhora da função cognitiva.
  • Modulação da atividade neuronal: A cafeína promove a desinibição dos neurônios, aumentando a excitabilidade neuronal e a transmissão sináptica em diversas áreas do cérebro, incluindo o córtex cerebral e o sistema límbico.
  • Efeitos sobre o sistema dopaminérgico: A antagonização dos receptores A2A pela cafeína no estriado influencia o sistema dopaminérgico, o que pode contribuir para efeitos estimulantes e potencialmente reforçadores da cafeína.

Além dos efeitos centrais, a cafeína também pode influenciar outros sistemas fisiológicos:

  • Aumento da liberação de catecolaminas: A cafeína estimula a liberação de adrenalina e noradrenalina pelo sistema nervoso simpático, levando a efeitos periféricos como aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial.
  • Efeitos sobre o metabolismo energético: A cafeína pode aumentar a lipólise e a utilização de ácidos graxos livres como fonte de energia, influenciando o desempenho físico.

Figura 2: Receptores cafeina e adenosina




Impacto no Eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA)


A cafeína estimula o eixo HPA, levando ao aumento na produção de cortisol, o hormônio do estresse. O cortisol é essencial para a resposta ao estresse agudo, mas níveis cronicamente elevados podem ter efeitos deletérios, incluindo disfunções metabólicas, imunológicas e neurocognitivas. Estudos demonstram que a exposição prolongada à cafeína pode desregular o eixo HPA, contribuindo para distúrbios como fadiga adrenal e síndrome de burnout.

Figura 3: Eixo HPA



Conforme mostrado no Gráfico 1, o corpo passa por várias fases de resposta ao estresse. Quando atinge a fase de exaustão, a produção de cortisol é insuficiente, tornando até mesmo o ato de acordar pela manhã difícil.

Gráfico 1: Fases da Desregulação do Eixo HPA


Efeitos do Consumo Excessivo de Café

O consumo excessivo de café, e consequentemente de cafeína, pode levar a diversos efeitos adversos no organismo. Um dos principais fenômenos associados ao uso contínuo de cafeína é o desenvolvimento de tolerância farmacológica. Isso ocorre quando o corpo, em resposta ao bloqueio persistente dos receptores de adenosina, aumenta a expressão desses receptores em uma tentativa de restabelecer o equilíbrio neuroquímico—a chamada up-regulation. Como resultado, são necessárias doses maiores de cafeína para alcançar os mesmos efeitos estimulantes previamente obtidos com doses menores.

Esse aumento na densidade dos receptores de adenosina não apenas reduz a eficácia da cafeína, mas também torna o indivíduo mais suscetível aos efeitos da adenosina quando a ingestão de cafeína é diminuída ou interrompida. Isso pode levar ao aparecimento de sintomas de abstinência, que geralmente se manifestam dentro de 12 a 24 horas após a última dose e podem incluir:

  • Cefaleia: Um dos sintomas mais comuns, resultante da vasodilatação cerebral causada pela adenosina.
  • Fadiga e sonolência: Devido ao aumento da atividade da adenosina, promovendo efeitos inibitórios no sistema nervoso central.
  • Irritabilidade e alterações de humor: Consequência das mudanças na neurotransmissão e do desequilíbrio neuroquímico.
  • Dificuldade de concentração: Associada à redução da atividade neuronal estimulada pela cafeína.
  • Sintomas gripais leves: Como náuseas, dores musculares e rigidez.

Além dos sintomas de abstinência, o consumo excessivo de cafeína pode acarretar outros efeitos adversos:

  • Ansiedade e nervosismo: A cafeína pode aumentar a liberação de catecolaminas, como adrenalina, levando a sintomas de hiperexcitabilidade.
  • Insônia: O efeito estimulante pode interferir no início e na qualidade do sono, especialmente se consumida próximo ao horário de deitar.
  • Taquicardia e arritmias: Doses elevadas podem afetar o ritmo cardíaco, sendo preocupante em indivíduos com predisposição a problemas cardíacos.
  • Distúrbios gastrointestinais: A cafeína pode aumentar a secreção gástrica e a motilidade intestinal, resultando em desconforto abdominal, azia ou diarreia.
  • Aumento da pressão arterial: O efeito vasoconstritor periférico pode elevar a pressão arterial temporariamente.

O risco de intoxicação por cafeína também é uma preocupação em casos de ingestão extremamente elevada, embora seja raro através do consumo de café. Sintomas de intoxicação incluem agitação psicomotora, confusão, convulsões e, em casos extremos, arritmias ventriculares que podem ser fatais.

Alguns grupos populacionais devem ter cuidado adicional com o consumo de cafeína:

  • Gestantes: A cafeína atravessa a placenta e pode afetar o desenvolvimento fetal. Recomenda-se limitar a ingestão a no máximo 200 mg por dia.
  • Crianças e adolescentes: Podem ser mais sensíveis aos efeitos estimulantes e adversos da cafeína.
  • Indivíduos com transtornos de ansiedade ou pânico: A cafeína pode exacerbar os sintomas.
  • Pessoas com condições cardiovasculares: Devem monitorar a ingestão devido ao potencial impacto na frequência cardíaca e pressão arterial.

É importante destacar que a moderação no consumo de café é fundamental para aproveitar seus benefícios enquanto minimiza os riscos. 

Para aqueles que desejam reduzir o consumo de cafeína, é recomendado fazê-lo gradualmente para minimizar os sintomas de abstinência. Alternativas como o café descafeinado ou chás de ervas podem ser utilizadas durante esse processo.

Consumo Adequado de Café


Para maximizar os benefícios e minimizar os riscos, é importante consumir café de forma consciente. Recomenda-se ingerir café entre 9h30 e 11h30 da manhã, após o pico natural de cortisol que ocorre entre 8h e 9h. A dose ideal de cafeína varia individualmente, mas a ingestão diária de até 400 mg é considerada segura para adultos saudáveis, equivalente a aproximadamente 4 xícaras de café filtrado.

Para maximizar os benefícios e minimizar os riscos, é importante consumir café de forma consciente.

Dose Segura

A dose ideal de cafeína varia individualmente, mas a ingestão diária de até 400 mg é considerada segura para adultos saudáveis, equivalente a aproximadamente 4 xícaras de café filtrado. É importante também evitar o consumo de café nas 10 horas que antecedem o sono para prevenir distúrbios do sono.

Qualidade do Café

Optar por cafés de alta qualidade pode maximizar os benefícios à saúde, pois eles contêm maiores concentrações de antioxidantes e menores níveis de contaminantes como micotoxinas.

Populações Sensíveis

Algumas pessoas devem evitar ou limitar o consumo de café, incluindo:

  • Indivíduos com ansiedade ou insônia: A cafeína pode exacerbar sintomas de ansiedade e interferir no sono.
  • Pessoas com hipertensão ou doenças cardiovasculares: Pode aumentar a pressão arterial e frequência cardíaca.
  • Gestantes e lactantes: A cafeína atravessa a placenta e pode afetar o feto; também é excretada no leite materno.
  • Pessoas com distúrbios gastrointestinais: Pode agravar gastrite e úlceras.


O Momento de Repensar o Consumo de Café


Se o consumo de café faz com que você se sinta exausto, ansioso, ou se estiver sofrendo de insônia ou palpitações, pode ser hora de reconsiderar a sua rotina. Fazer pausas periódicas no consumo de café, por exemplo, por 30 dias, pode ajudar a "resetar" o sistema nervoso e restabelecer os níveis de energia.


Conclusão


O café é uma bebida com efeitos complexos no cérebro e no corpo. Compreender os mecanismos pelos quais a cafeína atua permite um consumo mais informado e saudável. Moderar a ingestão de café, respeitar os horários ideais de consumo e estar atento aos sinais do corpo são estratégias essenciais para aproveitar os benefícios do café enquanto se minimizam os riscos associados ao seu consumo excessivo.


Referências


1. Fredholm, B. B., Battig, K., Holmen, J., Nehlig, A., & Zvartau, E. E. (1999). Actions of caffeine in the brain with special reference to factors that contribute to its widespread use. Pharmacological Reviews, 51(1), 83-133.

2. Lara, D. R. (2010). Caffeine, mental health, and psychiatric disorders. Journal of Alzheimer's Disease, 20(s1), S239-S248.

3. Lovallo, W. R. (2006). Cortisol secretion patterns in addiction and addiction risk. International Journal of Psychophysiology, 59(3), 195-202.

4. Nehlig, A. (2016). Effects of coffee/caffeine on brain health and disease: What should I tell my patients? Practical Neurology, 16(2), 89-95.

5. Cappelletti, S., Daria, P., Sani, G., & Aromatario, M. (2015). Caffeine: cognitive and physical performance enhancer or psychoactive drug?
Current Neuropharmacology, 13(1), 71-88.

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